O Alzheimer da Humanidade

 


O domingo é um dia agridoce, que dá com uma mão e tira com a outra. Deixa-nos sentar no sofá e fazer ronha, mas toca-nos no ombro quando estamos prestes a passar pelas brasas e sussurra-nos ao ouvido: "amanhã é segunda!" Se não tivermos cuidado, caímos num estado de ansiedade e nostalgias profundas, sem conseguirmos aproveitar a pausa semanal, só preocupados com o som do despertador do dia seguinte, que tocará sempre cedo demais e tirar-nos-á da cama, sem piedade. Mas quando ao domingo calha a nossa tertúlia, a tarde fica mais bonita e a promessa do início da semana torna-se mais leve. Pelo menos, é assim que me sinto, tomando a liberdade de falar por todas. Chegamos com os sacos carregados de livros, dispomos tudo na mesinha e antes de atacar o livro do mês com elogios ou lamentos, falamos do que andámos a ler paralelamente, do que encontrámos lá nas nossas prateleiras, do que nos sugeriram aqui e ali, certas de que o público em causa tem o mesmo interesse. E por falar em livro do mês, a sugestão que demos para outubro deixou um sabor a pouco e uma pitada de desilusão com a obra, de forma unânime. Nenhuma de nós gostou, em comparação com outros livros do autor, sempre divertidos. Mário Zambujal escreve da mesma forma com que sorri, gozão, despreocupado, ligeiro, mas este "À noite logo se vê" não nos convenceu. A história fica aquém da sua capacidade de escrita, e isso desiludiu-nos. O que nos faz pensar num fenómeno interessante neste grupo de leitoras, que é o facto de ser quase impossível um livro agradar a 100% do grupo, mas o sentimento contrário ser facilmente partilhado por todas. Para gostarmos verdadeiramente de um livro, é necessário somar vários fatores, a maioria deles, pessoais e intransmissíveis, mas para o banir, basta o domingo estar cinzento... Com a idade vamos ficando mais exigentes, talvez, ou caminhamos lentamente para uma forma de leitura mais inteligente, que, ao calcular o tempo que temos disponível para leituras e prazeres pessoais, nos mostra nas primeiras páginas que aquela escrita não foi feita para nós. Aquela aptidão que a idade nos traz, e que deveria ser extensível a tantas outras coisas da vida, mas que raramente aproveitamos. Com metade ou mais de metade do tempo útil de vida já passado, porquê cairmos em chatices, fretes repetitivos, tropeçarmos nos mesmos obstáculos, em vez de ouvirmos a nossa intuição e tomarmos decisões mais proveitosas? O mundo caminha na mesma burrice, que parece generalizada pelo ser humano, cometendo os mesmos erros, caindo nas mesmas armadilhas, sem se preocupar com a sua própria validade, que varia entre os 80 e os 90 anos, quando o destino é simpático. Serão precisos quantos mortos, doentes, refugiados, para que a humanidade entenda que a terra ficará sempre no mesmo lugar, não estica nem encolhe, nem guarda memória de quem a pisou, mas o homem vai e vem, e acaba sempre por perder a oportunidade de ser realmente feliz.

Para a próxima tertúlia, para já marcada para dia 26 de novembro, selecionámos um autor israelita, por sugestão meramente oportunista, por ser um tema atual, que nos traz curiosidade. 



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