A playlist da "gorda"
Ontem estivemos novamente reunidas na Pousada da Juventude da Lousã para mais uma hora e pouco de conversa fiada e sugestões de leitura, com a banda sonora da playlist sugerida no livro do mês, "A Gorda", da escritora portuguesa Isabela Figueiredo. Uma mistura de estilos e sonoridades que nos levaram desde Nina Simone a Xutos e Pontapés, sem que isso nos parecesse estranho ou descabido, uma linha condutora para as nossas divagações, ora sérias ora disparatadas. No livro sugerido para Julho houve um consenso quase generalizado, de obra fácil e descomprometida, mas que não surpreendeu a maioria que leu. A história ligeiramente autobiográfica de uma mulher que sendo gorda, faz uma operação para reduzir o estômago, emagrece 40 quilos, mas descobre que o ser-se gorda é para sempre, principalmente na sua cabeça. Perde bastante massa corporal, experiencia uma mudança drástica fisicamente, mas a cabeça fica lá, nas roupas largas e excessivamente grandes, nas frustrações e complexos que se entranham em nós, quando vivemos numa sociedade onde gordo é adjetivo pernicioso, que limita e engole. Um tema que poderia ter sido ainda mais explorado pela escritora, mas que no livro se perde ligeiramente e acaba por fazer falta na leitura. A perspetiva feminina do ser-se grande demais para a realidade imaginada e aceite como regra e bonito, a dificuldade de viver com duas mulheres no corpo de uma, a que nasceu e cresceu a alimentar a estranha que se agarrou ao esqueleto, trazendo cansaço, desilusões, limites, mas que de certa forma protege e se torna quase indispensável. Como se pode vencer a dualidade de personalidade quando uma mulher sonhadora e carregada de expectativa perde a outra, a que a domesticou e fez dela dependente? Pode uma mulher adulta e profissionalmente resolvida, mas emocionalmente dividida, vencer a que domina a parte social e a esconde dos desgostos e medos desde pequena? Na nossa perspetiva, de leitoras, gostaríamos de ter entrado mais na mente da autora, mas ficámos à porta, com uma gorda a bloquear a passagem, frustrando-nos.
Para a leitura de férias, decidimos visitar Milan Kundera, que faleceu recentemente, e dançar com ele a "Valsa do Adeus".
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