Se isto é um homem, queremos ser mulher
O livro que tínhamos proposto para leitura durante o mês de Maio foi um daqueles difíceis e incómodos, que nenhuma de nós conseguiu ler de uma assentada só. "Se isto é um homem" do Primo Levi, é bastante conhecido pela densidade do tema, um relato na primeira pessoa de memórias vividas num campo de extermínio nazi na Alemanha, e consegue sempre chocar, por muito que os anos passem. Íamos lendo umas páginas, parávamos para respirar e voltar à nossa feliz realidade, porque é difícil imaginar que o que lemos aconteceu, e não foi um produto da criatividade do autor. É fisicamente perturbador deixarmo-nos levar pela narrativa de um homem que vai contando o que viveu desde que foi apanhado pela polícia que caçava etnias, raças, nacionalidades, deficientes, e toda uma lista de indesejáveis que um Sistema político decidiu definir como alvos a abater. Pessoas que sem qualquer possibilidade de fuga ou julgamento foram colocadas em vagões de comboio e despejadas num local que para nós não deveria ficar muito aquém do Inferno. Ali, não se limitavam a matar, porque a morte como execução, por si só, seria uma bênção, para quem possuía tantos "pecados" ainda por redimir. Era necessário destruir a pessoa, a humanidade que cada um trazia ainda vestida quando desceu do comboio, retirar o homem e deixar ficar o que resta: ossos, músculos, pele, instinto. E foi esse processo de transformação que o autor decidiu contar. Como é que ele conseguiu sobreviver a tudo aquilo e ainda ter capacidade de pegar numa esferográfica e materializar o sofrimento da sua experiência, é um mistério. De alguma forma, ele agarrou o homem dentro de si para continuar vivo e venceu a tentação de enlouquecer, sofrendo por si, pelos outros, pela realidade de encarar as várias facetas do homem: a presa e o predador. "Se isto é um homem" é tanto uma pergunta retórica, como uma afirmação desoladora de como dentro da Humanidade cabe tanto mal e crueldade. Um livro que merecia ser lido por todos, pelo menos uma vez na vida, porque o homem não pode ser deixado à solta na ignorância.
Para a tertúlia de dia 9 de julho escolhemos uma autora portuguesa por quem já tínhamos alguma curiosidade.
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