O frio que nos aquece

Jon Fosse, um escritor do norte, daqueles recantos longínquos e frios, foi o autor escolhido para a leitura de novembro, com a obra "Trilogia". O título simples e seco não pode ter sido escolhido ao acaso, pois exemplifica na perfeição o estilo literário deste autor, que à boa maneira nórdica conta uma história dura, densa, sem grandes floreados linguísticos, quase sem pontuação, que se desenvolve de forma angustiante, como uma poesia macabra. Um casal jovem vive uma situação extrema, onde o abandono, o frio, a fome, o desespero por encontrar um abrigo nos revela a falta de compaixão e humanidade da comunidade onde vivem, e nos obriga a um exercício moral de compreensão e absolvição, quando o personagem mata a sangue frio para conseguir proteger a mulher que ama e o filho que os dois esperam a qualquer momento. O dilema que nos é trazido pelo autor é de difícil digestão, de tal forma que algumas de nós iam terminando o livro ainda a duvidar de que Asle realmente tivesse cometido aqueles crimes, porque nada é dito diretamente, apenas nos parece natural que assim aconteça, porque o casal não tem outra saída. Como em tantas questões humanas, a sobrevivência é uma das situações limite que molda as ações e a moral das pessoas, que modifica a intenção dos crimes, que baralha as decisões de um juiz, e nesta obra, nos faz perdoar e pensar: quantas vezes não poderiam ser evitadas as desgraças, se uma porta se abrisse e ajudasse quem pede por abrigo. Porque ninguém merece ter frio e ser-lhe negado o calor, ter fome, e não ter o que comer, precisar de ajuda e ser negligenciado. Porque antes da moral, ou da exigência dela, tem de haver uma porta, um prato e uma mão. Sem esta trilogia, dificilmente o homem conseguirá ter a oportunidade de fazer o bem. A maioria de nós não gostou de ler Jon Fosse, não porque seja um autor que escreva mal, mas porque nos obrigou a aceitar o que não é aceitável. 

O nosso consolo nesta Tertúlia foi termos sido recebidas em casa de uma de nós, com um lanche que nos reconfortou a alma, depois do frio do norte, e termos partilhado esse momento de amizade em volta do chá, do café de cafeteira, e de fritos de Natal e biscoitos caseiros. Termos tido uma porta generosa que se abriu, que nos deu calor e onde conseguimos uma pausa nos livros demasiado verdadeiros.

Para a próxima Tertúlia, a 15 de janeiro, escolhemos "Os sete maridos de Evelyn Hugo".









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