Cerejeiras em flor


 Uma boa parte da nossa tertúlia mensal é dedicada às pupilas gustativas. Temos de o admitir. Gostamos de ler, é esse o objectivo deste grupo, mas não dispensamos um chá aromático, uma fatia de bolo, um biscoito, ou no tempo delas, as cerejas. Em 2020 a nossa fornecedora de cerejas negou-nos esse prazer, decidiu fazer quarentena, como o resto do mundo, floriu, mas não deu nem um fruto. Saberia ela que de alguma forma nos seria difícil reunir, por causa da pandemia e das restrições sociais, sendo assim impossível que os seus frutos fossem todos distribuídos e devidamente aproveitados? Nunca o saberemos... Todos tivemos direito a uma pausa no nosso ritmo moderno, e a cerejeira pareceu compreender. Como somos mulheres prevenidas, este ano fomos gabar a beleza das suas flores, recordar o sabor doce das suas cerejas, debaixo da sua copa branca, na esperança de que ela entenda que a vida continua, nada parou, e que contamos com ela daqui a uns tempos. Levámos um bolo, fizemos um chá, celebrámos em jeito "mascarado" e higienizado os quatro anos que leva já este encontro mensal dedicado aos livros. Quatro anos que passaram demasiado depressa, parece-nos, e que seriam mais nostálgicos de analisar, não fosse pela quantidade de livros que tivemos a oportunidade de ler. 32 livros em 1460 (e picos) dias, quase nada, se comparado com a média anual de 60 de uma das nossas mais disciplinadas leitoras, mas um número bastante respeitável, de que nos orgulhamos. O último livro que nos propusemos a ler, "A vida em surdina", de David Lodge, foi unânime, sem grande contraditórios. Muito bem escrito, inteligente, com um sentido de humor British, que nos traz questões humanas e de difícil digestão, como a velhice, a perca de faculdades, os dilemas internos de um homem que vive a sua própria surdez, a reforma que o obriga a sentir-se inútil, e a relação com o próprio pai idoso, viúvo, tudo bem misturado com situações constrangedoramente cómicas, mundanas e quotidianas, de uma forma muito anglo-saxónica. Um livro que dá prazer a ler, porque leva o seu tempo, não se apressa, mas é delicioso, como as cerejas. David Lodge faz-nos apreciar a leitura da mesma forma que comemos cerejas, devagar, uma a uma, sem pressas, estendidos numa rede, que baloiça levemente, sem correrias.

Para abril, escolhemos um livro completamente desconhecido de todas, porque foi lançado ontem, dia 28 de março. "Almoço de domingo", um romance de José Luís Peixoto, que também é uma biografia de um dos mais carismáticos, importantes, empresários portugueses, Rui Nabeiro, que celebrou ontem os seus 90 anos de vida. 




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