"a máquina de fazer espanhóis" em tertúlia zoom

 




O primeiro livro do nosso "clube" de leitura foi uma obra de Valter Hugo Mãe. Foi uma boa surpresa, para quem ainda não conhecia, começar com um autor português contemporâneo, o que, para qualquer fanático da leitura, significa que haverá muitos anos de novas obras pela frente! Se ao menos o Eça fosse vivo, e escrevesse sobre o Portugal de agora e as suas eternas personagens caricatas... Mas, voltando ao Valter Hugo Mãe, decidimos dedicar Novembro à obra "a máquina de fazer espanhóis". Quem leu, adorou, sem excepções. O tema enternece-nos, por nos ser tão familiar, todos temos parentes, amigos, conhecidos com experiências em viuvez, lares, coisas caricatas, histórias tristes, e invariavelmente, vamos pensando como vai ser a nossa própria história, quando chegar a hora da nossa velhice. No caso do personagem Silva, um barbeiro reformado que perde a esposa de uma vida e se vê "despejado" num lar, há uma revolta justificada que nunca desaparece, mas a transformação emocional, as amizades que faz e que perde naquele curto espaço de tempo, a decadência das capacidades físicas dele e dos outros utentes, que se agudiza rapidamente, a fragilidade mental que se vai desenrolando, misturada com quadros cómicos da vida em comunidade fechada, fazem deste um livro humano e delicioso. Já tínhamos chegado à conclusão no primeiro livro que lemos deste autor que ele tem uma grande capacidade emocional para inventar pessoas. Faz-nos rir do que é improvável, mas cómico, e aperta-nos o estômago com verdades humanas desagradáveis, como o que sente um pai que de repente fica viúvo e é levado pela filha para um sítio que odeia, e de onde não tem capacidade de fugir. Obriga-nos a ler com atenção, sem preguiça, porque o seu estilo de escrita não pontua, deixando-nos à deriva nos primeiros minutos, mas vale muito a pena. O autor perdeu o pai cedo, não o viu envelhecer, e diz-nos no final da obra que imaginou como ele seria naquela situação. Também nós ao ler "a máquina de fazer espanhóis" pensamos nisto, nesta verdade que andamos quase toda uma vida a evitar considerar e refletimos sobre que tipo de personagem seremos, o revoltado, o comunicativo, o empático, o provocador, o pensativo, o saudosista, o resignado, o conflituoso, o vegetal, ou o louco espanhol que quer ser português e grita desesperado na sua cama, porque o vão enfiar numa máquina que faz espanhóis. 

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