Alguns livros do 1º ano de Tertúlias
"27 de Março de 2017
Sim, é com todo o prazer que vos digo que a 1ª Tertúlia Literária do grupo "Lousã Book Lovers" aconteceu mesmo! Foi no acolhedor espaço da "Taberna Burguesa", mesmo no centro da Vila da Lousã, que ontem, das 20h00 às 22h00, estivemos à conversa sobre o livro "o nosso reino", do autor Valter Hugo Mãe.
O atual escritor foi recentemente envolvido em polémica com alguns encarregados de educação ofendidos pelo "linguajar" inapropriado da obra em questão, que foi indicada pelo Ministério da Educação no Plano Nacional de Leitura para o contexto escolar. Depois de lermos este livro, e de o estranharmos ao início, somos de facto envolvidos num ritmo de leitura que nos obriga a não fazer pausas, e nos transporta para Portugal de 1974, antes e depois de abril. Uma criança ingénua e crente conta a sua realidade espacial e social e ficamos ligeiramente deprimidos com a vivência supersticiosa e dominada pela Igreja que vivíamos nessa época. Não sei se os senhores do Ministério ou os próprios pais que o criticaram leram o livro, pois há realmente um parágrafo ou dois onde são usados termos menos próprios e temas dificilmente acessíveis a crianças pré-adolescentes, mas se não o fizeram, deviam! É uma obra muito bem escrita, diferente, que nos mostra até onde a democracia na escrita pode ser possível, que nos deixa interpretar à nossa vontade os pensamentos daquele menino, e nos permite vivenciar tudo aquilo de uma forma pessoal, exclamamos quando queremos, questionamos sempre que nos parece correto, fazemos parágrafo quando a nossa sensibilidade nos diz que é para respirar. E no que toca às crianças que leram a palavra "foder" e naturalmente ficaram escandalizadas, só podemos concluir que esse contacto com a realidade é um dos processos de crescimento democrático, onde cada consciência pode fechar ou abrir um livro, na sua própria censura literária. Também nos questionamos sobre isso, ficando a pergunta em aberto: "deveremos censurar à partida o que os nossos filhos lêem?, Ou devemos deixar que escolham em consciência o que tirar da prateleira lá de casa?"
Em abril voltaremos a marcar encontro, para falarmos sobre o livro "O último Catão" de Matilde Asensi."
"29 maio 2017
Nunca tinha lido a obra "Meu Pé de Laranja Lima". Como a maioria de nós, já ouvira falar, mas felizmente ainda não tinha visto o filme brasileiro. (Se há coisa que estraga a leitura é já sabermos a história.) Pessoalmente adorei o livro, muito simples, despretensioso, honesto e essencialmente humano, tanto no melhor e pior que isso possa significar. Uma leitura em "brasileiro", totalmente lida com sotaque, e também por isso mesmo, mais emocional. (várias lágrimas...) Quem resiste a uma criança de cinco anos, traquina, que no meio de uma pobreza que não conseguimos imaginar, consegue inventar amigos, cenários de brincadeira, e ainda ter espaço para a "ternura"? Queremos consolá-lo, dar-lhe um presente no Natal, comprar-lhe uns sapatos, uma roupa de poeta, e protegê-lo dos dramas familiares que se vivem numa casa com necessidades financeiras, emocionais e abandonada ao desespero. Um português representa o herói na história, e também isso nos toca, e nos deixa ligeiramente felizes e orgulhosos enquanto povo. Essencialmente somos transportados para uma dimensão quente, poeirenta, de gente esfomeada e triste, onde vive um menino chamado Zezé, e o nosso coração aperta.
José Mauro de Vasconcelos colocou na sua escrita muita da sua vivência pessoal, experiências de infância, e construiu uma obra magnífica, chamando a atenção para a pior das pobrezas, a falta de ternura. Conseguimos todos crescer com relativamente pouco comer, a maioria da população do planeta não começa o dia com cereais coloridos e doces, mas não crescemos saudáveis sem amor. Amar faz falta, a ternura nas famílias faz falta, mesmo quando tudo parece não ter solução, sem ternura fica com certeza mais difícil."
31 Outubro 2017
Na última tertúlia literária do grupo "Lousã Book Lovers" conhecemos uma autora portuguesa contemporânea que nos deliciou com os seus poemas excêntricos, a sua simplicidade quase infantil e por vezes psicótica, de miscelânias incompreensíveis. Rimos muito a ler passagens do livro "Amanhã" de Adília Lopes. Não conhecia a senhora, mas fiquei fã, com a mesma admiração que sinto pela nossa Natália de Andrade, a Diva portuguesa do canto lírico do final do século passado. Há nelas a mesma genuína honestidade, que nos desarma, mesmo que provocando arrepios de dor e gargalhadas sufocadas. Ao ouvir Verdi pela boca de Natália ficamos extasiados e com pena da pobre senhora, tão orgulhosa das suas notas altas. Apetece-nos tirá-la do palco para a poupar à vergonha, mas não conseguimos deixar de ouvir, e no final, aplaudimos entusiasticamente. O mesmo se passa no livro da Adília, é viciante!
"8 janeiro 2018
A obra de Harper Lee é bastante conhecida nos Estados Unidos da América, é um livro que faz parte do currículo escolar dos adolescentes americanos, e deveria ser leitura obrigatória de muitos mais. Uma viagem ao Alabama dos anos 30, à pobreza, ao racismo, às mentes tacanhas e preconceituosas, pelo pensamento de uma menina de 6 anos, branca, filha de um advogado. A leveza do discurso infantil (imaginado por uma adulta), a inocência dos olhos de crianças perante a vida daquela época, as dúvidas éticas e morais face ao comportamento dos adultos brancos que simbolizavam a autoridade para os mais novos. Tudo isto num livro de fácil leitura, que nos leva pelo mundo do racismo, nos faz rir, nos aperta o estômago, até à última página. Não terminamos a obra sem imaginar como seria difícil a vida dos escravos, um inferno de trabalho e sofrimento, carregando filhos, cestas de algodão, enxadas, e injustiças, sempre calados e sem opção. Questionamo-nos como seria que a maioria de nós viveria enquanto homem branco, onde perderíamos a ingenuidade dos 6 anos, quando nos tornaríamos no carrasco e deixaríamos de ver nos negros um ser semelhante? Lutaríamos contra o sistema? Tudo isto é trazido até nós, e mais não digo porque quem não leu deve ter a oportunidade de fazer a si mesmo estas mesmas perguntas. E se possível, ser honesto consigo próprio!"
"3 abril 2018
O nosso grupo de leitura fez um ano de existência no passado dia 26 de março! É curioso como 365 dias passam tão depressa, quando vistos em retrospectiva de algo que nos dá prazer! Se fosse doloroso e difícil, ainda estávamos a contar os dias... penosamente a olhar um calendário... Mas de facto foi num ápice enquanto lemos 10 livros (deveriam ter sido 12, mas vida de mães/avós/mulheres multifacetadas precisavam de outros 365 dias no ano...). Começámos a nossa aventura literária com o livro "o nosso reino", de Valter Hugo Mãe, e como adorámos a experiência, continuámos com "O último Catão", "Meu pé de laranja lima", "As intermitências da morte", "O outro pé da sereia", " O velho que lia romances de amor", "Memória das minhas putas tristes", "Mataram a cotovia", "Os despojos do dia" e "D. Amélia". Uma mistura de autores, épocas, estilos e temas, que encheram os nossos meses de 2017 de muita fantasia! Para quem leu obedientemente os livros propostos até ao fim, que é o grande objectivo do grupo, mas que nem sempre acontece (há muita rebeldia nestas tertulianas!), podemos concluir que ler é mais que uma experiência solitária e introspectiva. É uma transmutação a vários níveis, emocional, intelectual, social, que nos agrada profundamente, quando pensamos que somos várias pessoas a sentir e pensar um mesmo livro, a viver aquelas experiências não só com os personagens das obras, mas com todos os elementos do "Lousã Book Lovers". Começámos as tertúlias com 4 pessoas, e festejámos o primeiro aniversário com 8 presenças, e um bolo! Esperamos que em 2018 mais leitores se juntem a nós, que nos proponham os livros que os fizeram sentir algo, e venham ler as nossas sugestões também! A próxima reunião está marcada para o dia 22 de abril, pelas 20h30, na Taberna Burguesa, na Lousã, e o livro proposto é "A saga de um pensador" de Augusto Cury.
PS: É grátis e aberto a todos os géneros, desde que gostem de chá! ;)"
"8 outubro 2018
Na 16ª Tertúlia Literária do nosso grupo "Lousã Book Lovers" estivemos a falar sobre Jorge Amado, o Brasil e "Gabriela, Cravo e Canela". Foi curioso termos como tema o nosso país irmão, logo agora que o mesmo atravessa um período de mudança tão sério, que somos inundados com notícias assustadoras de radicalismos e medo. Todos conhecemos a fórmula da extrema direita, de como o que seria impensável se torna viável para o comum dos cidadãos, de como alguém que se considera "da paz" pode apostar num candidato que defende o armamento civil, a exterminação de certas pessoas, clama o ódio como solução para um país cheio de problemas. Sabemos que há muita gente descontente, que quer mudanças, que precisa de se sentir seguro, e para nós europeus que vivemos em relativa calma e prosperidade, é difícil aceitar que se defenda o nazismo. Falamos de cor, porque estamos longe, só conhecemos o Brasil das notícias, não temos que enfrentar a sua pobreza e a sua dor. Para muitos Bolsonaro vai limpar o que está mal, e a confiança económica vai crescer, o Brasil vai se tornar finalmente no paraíso que todos merecem. Mas lemos Jorge Amado, suspiramos com a sua visão romântica da vida, rimos com todos aqueles personagens que num outro local qualquer do mundo seriam uns trastes, mas que ali em Ilhéus fazem dos seus defeitos bandeiras de humor, sorriem na adversidade com a alegria de um povo que tem fibra, que luta pelo direito de ganhar o pão, mas sem nunca se deixar vencer pela ganância da vida, e principalmente, sem nunca esquecer a beleza do cochilo na rede de pano, sem nunca perder a vontade de uma partida de gamão no bar. A dada altura até sentimos inveja daquela leveza de simplesmente ser, como Gabriela, feliz de chinelos, de flor no cabelo, de amar o moço bonito, sem "precisão de casamento", que "tonteira", para ser feliz. Uma lição de minimalismo, que no fundo nos faz pensar, será hoje o Brasil rico mais feliz que aquela gente de Ilhéus? Será o futuro mais esperançoso com as promessas de mudança de Bolsonaro? Seremos todos mais felizes rodeados de conforto e poder de compra? Não será a vida uma perca de tempo se não conseguirmos atingir a felicidade serena de aceitar as nossas realidades e com alegria tornamos as adversidades mais fáceis de aguentar? A procura do Amor no mundo de Jorge Amado é a mesma de todos nós, todos queremos uma "Gabriela", e duvido que a consigamos encontrar na filosofia de extrema direita."
Fotos diversas:
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